Isolamento social tem aumentado a exclusão

Daniela Machado Mendes*

Iniciamos mais uma etapa da vacinação contra a covid-19. Agora, em alguns estados do Brasil, inclusive no Estado de São Paulo, as pessoas com síndrome de Down de 18 a 59 anos estão sendo imunizadas. Além desse grupo, foram incluídas as pessoas com deficiência permanente que recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Trata-se de uma conquista importante, sem dúvida, mas esse é apenas um dos muitos passos que ainda precisamos dar para evitar retrocessos e assegurar seus direitos.

E não precisava ser assim, pois essas pessoas já deveriam estar sendo vacinadas em todo o país e não apenas em alguns estados. No caso das pessoas com deficiência intelectual, essa urgência se dá justamente por serem mais vulneráveis ao contágio, já que possuem maior dificuldade em seguir os protocolos de higiene ou usar a máscara corretamente. Elas também estão mais vulneráveis a complicações e até mesmo ao óbito se infectadas com o novo coronavírus, por serem mais suscetíveis a comorbidades. De acordo com a pesquisa da Nejm Catalyst, divulgada este ano, o risco de óbito de pessoas com deficiência intelectual, ao contraírem covid-19, chega a ser três vezes maior em relação a uma pessoa sem deficiência. O estudo analisou 64.414.495 pacientes, dos quais 127.003 possuem deficiência intelectual.

Desde janeiro deste ano, quando se iniciou a vacinação no país, nós do Instituto Jô Clemente e muitas outras entidades e movimentos de pessoas com deficiência, fomentamos uma luta pela prioridade às pessoas com deficiência junto ao Ministério da Saúde, buscando diálogos com técnicos da saúde, parlamentares e representantes do poder público, apontando para a urgência do tema. Afinal, a imunização é o principal meio para assegurar a vida e o retorno das pessoas com deficiência às suas atividades nas mais diversas esferas sociais.

O atípico ano de 2020 provocou a readequação de processos nas diversas instituições que atuam na causa da deficiência, como nós, do Instituto Jô Clemente. Há 60 anos trabalhamos pela prevenção e promoção da saúde, defesa e garantia de direitos, produção e disseminação de conhecimento e pela autonomia e protagonismo das pessoas com deficiência intelectual. Com as medidas de quarentena, adaptamos os serviços para atendimento híbrido — remotos ou presenciais –, de acordo com a necessidade, bem como focamos na continuidade de terapias e serviços de apoio, mesmo à distância, a fim de evitar perdas nas funcionalidades e no desenvolvimento de suas habilidades cognitivas e motoras. Nesse processo, notamos algumas dificuldades das famílias em acompanharem os atendimentos remotamente e buscamos alternativas para cada caso, especialmente porque uma parcela significativa das pessoas que apoiamos na nossa Organização, vive em situação de vulnerabilidade socioeconômica, com acesso restrito a tecnologias e recursos considerados básicos.

Desde o início da pandemia, as pessoas com deficiência têm encontrado imensas dificuldades para se manterem ativas, devido a necessidade de isolamento, a fim de evitar a contaminação pela covid-19. Além disso, percebemos que o isolamento trouxe imensos desafios também no seu ambiente familiar, com sobrecarga para os pais e cuidadores, uma vez que os atendimentos profissionais presenciais ficaram restritos. Outro aspecto identificado foi o aumento de casos de evasões e redução na frequência das atividades.

Neste mesmo período, outro fator a ser considerado são as subnotificações nos casos de violência e violação de direitos como demostraram os últimos registros da 1ª Delegacia da Pessoa com Deficiência do Estado de São Paulo e do nosso Serviço Jurídico Social, o que também evidencia a vulnerabilidade vivenciada pelas pessoas com deficiência.

Garantir a vacinação para todas as pessoas com deficiência não é a única luta. Ainda há muitos direitos ameaçados, diariamente, em nosso país. Em abril, por exemplo, o Senado Federal tentou colocar em votação o Projeto de Lei (PL) 1.052/2020, que alterava a Lei de Cotas (lei 8.213/91) e propunha que pais ou responsáveis legais das pessoas com deficiência fossem contratados quando não existissem pessoas com deficiência habilitadas ao cargo. O PL não explicava como seria realizada a avaliação de habilidade ou não dessas pessoas. A pauta não foi votada, mas projetos como esses reforçam os retrocessos nessa área, com a intenção de excluir as pessoas com deficiência do convívio social, negando a elas qualquer oportunidade que possa garantir o mínimo equidade em nossa sociedade.

Outro tema que está sob constante ameaça é a educação inclusiva das pessoas com deficiência, com as tentativas de voltarmos à predominância das escolas especiais no país, contrariando a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) e a Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU, que propõem a inclusão de pessoas com deficiência na escola regular comum, com apoio, no contraturno escolar, no Atendimento Educacional Especializado (AEE). Segregar as pessoas com deficiência em instituições longe do convívio com a diversidade é um retrocesso que não podemos permitir enquanto sociedade.

Esperamos celebrar em breve a vida das pessoas com deficiência, garantindo-lhes a vacinação e a plenitude de seus direitos.

*Daniela Machado Mendes é nossa superintendente geral