Nós acreditamos na inclusão e que a sociedade deve disponibilizar os recursos e apoios para que todos sejamos respeitados em nossa singularidade.

Roseli Olher, supervisora do Atendimento Educacional Especializado (AEE)

Constantemente nos deparamos com ataques à inclusão de crianças e adolescentes com deficiência na escola regular, como decretos e manifestações de representantes do poder público contrárias à inclusão dessas pessoas na sala de aula comum. Sabemos que a escolarização de alunos com e sem deficiência é sempre desafiadora, mas precisamos ter em mente que é competência da escola comum e deve acontecer na sala regular. Pensarmos na escola como um espaço de todos requer a consolidação de práticas pedagógicas inclusivas e a parceria estreita entre professores de sala comum e professores do Atendimento Educacional Especializado (AEE).

Aos educadores da escola regular, cabem as atividades que envolvem o ensinar a todos os alunos – sejam eles com ou sem deficiência – como a alfabetização, as noções iniciais de matemática, entre outras.Ao professor do AEE, cabe identificar os meios e práticas que contribuem para a aprendizagem de cada aluno, conforme as suas especificidades, dialogando com o professor da sala regular, partilhando elementos que demonstrem a evolução do aluno com destaques às estratégias e recursos utilizados, por meio de estudo de caso e Plano de Atendimento Individualizado. O AEE não se confunde com outros serviços ofertados no campo da saúde a estudantes com deficiência. Não tem natureza clínica ou terapêutica. Não é substitutivo à escolarização e não é reforço escolar. O AEE é um direito e um instrumento de garantia ao direito à educação inclusiva. Tamanha sua importância para os educandos com deficiência que a Constituição de 1988 lhes garantiu o acesso a esse serviço preferencialmente dentro da rede regular de ensino – ou seja, dentro da escola regular. É isso o que diz o art. 208, III. O “preferencialmente” refere-se à oferta do AEE dentro da escola regular, e não à possibilidade de educar alunos com deficiência fora desse ambiente. Este esclarecimento é primordial.

No final de 2008, com o advento da Política de Educação Especial na Perspectiva de Educação Inclusiva, nós do Instituto Jô Clemente optamos por encerrar as atividades da escola especial que tínhamos. Passamos então a incluir os estudantes com deficiência intelectual em salas de aula comuns do ensino regular. Desde então, oferecemos apoio aos alunos por meio do AEE e monitoramos o desenvolvimento dessas crianças e adolescentes. O AEE é realizado no contraturno escolar e complementa a formação do aluno por meio de disponibilização de recursos de acessibilidade e estratégias que eliminem as barreiras para sua plena inclusão na sociedade e desenvolvimento de sua aprendizagem.

Em um estudo que realizamos ao longo de três anos através do nosso Centro de Ensino, Pesquisa e Inovação (CEPI), constatamos que os estudantes com deficiência intelectual incluídos nas escolas regulares apresentaram avanços significativos em termos de autonomia, independência, relacionamento interpessoal, postura de estudante e comunicação receptiva e expressiva quando são inseridos em salas de aula comuns. Já os que seguem matriculados em escolas especiais não apresentam o mesmo desenvolvimento. Parece-nos, portanto, incoerente qualquer tipo de colocação justifique retroceder a práticas já superadas de educação especial. A falta de recursos que deveriam ser providos pelo Estado para o cumprimento de uma política de inclusão justifica a supressão do direito de crianças e jovens com deficiência estarem na escola regular?

Nós do Instituto Jô Clemente acreditamos na inclusão e que a sociedade deve disponibilizar os recursos e apoios para que todos sejamos respeitados em nossa singularidade. A educação é um direito fundamental, não apenas por ter sido assim reconhecida em nossa Constituição, mas porque é a partir do acesso à educação que se realizam outros direitos assegurados às pessoas com deficiência, como o direito ao trabalho, a uma vida digna, ao exercício de sua capacidade jurídica como sujeitos de direitos. Quando limitamos o acesso à educação inclusiva, impedimos o direito da pessoa com deficiência à sua plena inclusão na sociedade, com autonomia e independência.

Isso nos parece muito mais do que uma discussão acerca de práticas pedagógicas. Trata-se de uma escolha da nação brasileira: que país queremos para nós e para os nossos filhos? Um país para alguns? Um país para a maioria? Ou um país para todos? Entre 21 e 28 de agosto, celebramos a Semana Nacional da Pessoa com Deficiência Intelectual e Múltipla, e esta é a nossa reflexão, com todo o respeito que temos às autoridades constituídas. Precisamos estar vigilantes, pois as crianças de hoje se tornarão adultas amanhã, e certamente nos pedirão explicações sobre as escolhas que fizermos agora.

Participamos, em 24 de agosto, da Audiência Pública no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.590 Distrito Federal, que teve por objeto discutir a Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida – PNEE (Decreto nº 10.502, de 30 de setembro de 2020). Durante a discussão, nos posicionamos a favor da inclusão e da equidade, tendo em mente que caminhamos para construir uma sociedade que respeite a diversidade humana em todas as suas diferenças. Esperamos que a Justiça considere inconstitucional o decreto, a fim de garantir a inclusão de crianças e adolescentes com deficiência na escola regular. Não podemos ser uma sociedade capacitista, que adota a cultura da segregação, da discriminação e da exclusão.

Roseli Olher é supervisora do Atendimento Educacional Especializado (AEE)