Stephanie tem 25 anos e é autodefensora. Confira a entrevista em que ela conta detalhes de sua trajetória.
Conte de sua experiência no grupo de autodefensores do Instituto Jô Clemente.
Meu nome é Stephanie e tenho 25 anos. Estou na Autodefensoria há uns seis anos. Aprendi muitos direitos. Não sabia sequer que tinha direito ao Bilhete Único. Aprendi sobre a Lei de Cotas, sobre o direito de comprar carro com desconto, de ter minhas escolhas e tomar minhas decisões. São seis anos de muito aprendizado.
Antes eu tinha vergonha de falar sobre a minha deficiência intelectual e tinha medo de conversar com as pessoas. Isso mudou com minha participação no grupo. Comecei a aceitar a minha deficiência. Vou contar uma história do que aconteceu comigo: antes de entrar na Autodefensoria, namorei um ano e pouquinho e nunca contei para meu namorado, ex no caso, que eu tinha deficiência intelectual. Ele nunca ficou sabendo da minha deficiência. Então eu fui deixando, até que chegou uma hora que eu terminei com ele. Eu só enviava áudio pelo Whatsapp a ele, pois tenho dificuldade de escrever e ler. Ele sempre me perguntava por que eu nunca escrevia uma mensagem de texto, mas eu sempre fugia da resposta. Terminei porque não aguentava mais conviver com essa mentira e não me aceitar. Depois que entrei na Autodefensoria, comecei a namorar outra pessoa e contei pra ele sobre a minha deficiência, logo no início, e da dificuldade que tenho na leitura e na escrita. Expliquei que levo uma vida normal. Mas o simples fato de falar a verdade me deu a sensação de liberdade. Isso mudou minha vida e a relação comigo mesma. Aceitar nossa deficiência é o primeiro passo para lutar por uma sociedade menos preconceituosa.
Como foi a experiência no Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência da cidade de São Paulo, ocupando a cadeira da pessoa com deficiência intelectual?
Minha participação no Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência foi muito boa para meu desenvolvimento. Nossa! Sempre sonhei em trabalhar na área da deficiência, seja de forma voluntária ou remunerada. Sempre quis estimular as famílias e outras pessoas a deixarem de tratar as pessoas com deficiência intelectual como crianças ou como pessoas sem capacidades.
No começo foi muito difícil. Eu era suplente e a mãe de uma pessoa com deficiência era titular. Sempre questionei porque na titularidade não tinha a própria pessoa com deficiência intelectual. Sempre a família que ocupava esse lugar. Eu nem imaginava que esse espaço existia. Foi na Autodefensoria que fui conhecendo quantos lugares importantes poderíamos ocupar para falar sobre nossos direitos. Minha fala era sempre deixada de lado. Recordo-me na plenária sobre educação, ela queria falar por mim e interrompeu minha fala por muitas vezes. Eu fui expondo para ela que eu era capaz e caso eu necessita-se de algum apoio eu mesma falaria. Mas confesso que foi bem difícil! Ela não acreditava na minha independência. Depois da sua desistência, por motivos pessoais, assumi a titularidade. Me soltei mais, organizava as reuniões, solicitava uma linguagem mais acessível por parte dos representantes.
Um destaque foi que fiquei responsável pela pasta da Educação e tinha como tarefa atender os moradores da cidade de São Paulo quando tinham algum problema para resolver. Meus plantões de atendimento aconteciam sempre às terças-feiras. Aprendi muito. Pude ver quanto a inclusão precisa melhorar no dia a dia das pessoas. Recebia reclamações de que crianças e adolescentes estavam fora da escola porque não tinham auxiliar de classe, escolas sem acessibilidade, preconceitos que pessoas com deficiência sofriam dentro das escolas.
Escolhi a pasta de Educação porque foi na escola que mais sofri discriminação. Lembro de uma história que me marcou muito: atendi uma pessoa com deficiência que precisava de um apoio. Ela queria muito estudar, mas a escola não tinha esse apoio de sala. A família já tinha feito de tudo, apresentado laudo, conversado, mesmo assim sem sucesso. Liguei na Secretaria da Educação e conversei sobre a situação. Duas semanas depois a escola recebeu auxiliar de sala. A história dela é parecida com a minha. A escola não me aceitava, sempre colocando dificuldades na minha permanência. O preconceito não é fake. É real.
Quais os maiores desafios que você teve dentro do Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência?
O maior desafio foi o grupo entender que eu poderia falar sozinha e ter minha opinião respeitada. Sentia nos olhares o ar de desconfiança sobre minha capacidade. Doía por dentro, mas fiquei firme e não desisti! Foi muito bom pra mim, uma experiência boa. Outro desafio foi sensibilizar o Conselho sobre a importância da acessibilidade para pessoas com deficiência intelectual, ou seja, as pautas das reuniões serem enviadas antes para que meu apoio me ajude a compreender os assuntos que iremos falar, apresentações sem muita escrita e com mais imagens e o uso de palavras mais fáceis.
Você recomendaria a participação de uma pessoa com deficiência intelectual no Conselho Municipal? Para pessoa com deficiência intelectual vale essa experiência?
Sim, recomendo. É uma experiência única conhecer a cidade de São Paulo e contribuir com ideias para que a pessoa com deficiência intelectual tenha seus direitos garantidos faz parte desse trabalho.
Pude ver que sou capaz. Precisei de suporte para leitura e escrita, mas meu apoio estava comigo sempre que eu precisava e, o mais importante, reforçando o que tinha de melhor e me deixando livre para ser quem sou!
As reuniões às vezes são mais tensas, mas estar nesses espaços faz a diferença. Tanto que teve familiares que ficaram com vergonha de se candidatarem para a cadeira da deficiência intelectual, porque eu bati muito nesta tecla: nós, pessoas com deficiência, podemos nos representar, isso é possível. A deficiência intelectual ainda é invisível e os autodefensores estarem em conselhos, fóruns e encontros temáticos faz mudar essa situação.
Como é a sua participação na Organização Inclusion International? Você participou da capacitação internacional sobre Autodefensoria na Cidade do México. O que trouxe de aprendizado para o movimento da deficiência intelectual do Brasil?
Eu recebi o convite de conversar com os autodefensores da América Latina de braços abertos. Eu ficava pensando: será que um dia eu chego lá? E cheguei. Foi difícil? Foi! Não foi fácil, mas ainda pretendo chegar mais alto. Quando fui para o México, foi uma experiência muito boa, aprendi muitas coisas. O Brasil é evoluído em algumas leis, mas existem países que na prática estão à frente. Colômbia e México falam de capacidade jurídica faz muito tempo e no Brasil sabemos que tem um longo caminho a percorrer. O que achei interessante também na capacitação é que os autodefensores que organizaram todo encontro, o roteiro, a ordem de fala. Nenhum profissional falou por eles. No grupo de autodefensores do IJC também é assim. Os participantes vão se sentindo mais fortes e acreditando que é possível compreenderem seus direitos e fazerem a defesa deles. Claro que às vezes necessitamos de apoio, mas não é sempre. O mais importante é que através da Autodefensoria podemos ir aprendendo sobre os nossos direitos e ir dividindo esse aprendizado com a sociedade.